Você conhece alguém que se meta a besta de criticar uma estrada, uma prótese ou um satélite de telecomunicações, a não ser que eles estejam evidentemente errados, colocando vidas em risco? Pode acreditar que não seja louco um engenheiro que mande emendar uma ponte pênsil a uma antena parabólica? Pois compare com músicas. Mesmo que não entendam nada de compassos ou harmonias, todos se sentem no direito de criticar uma trilha sonora, baseados exclusivamente em seu gosto pessoal. Com culinária ou layouts não é diferente. Infelizmente, gosto não se discute, lamenta-se. É parte da cultura individual e resquício de sua formação. É, portanto, subjetivo e maleável. E, para piorar, o gosto pessoal é uma das principais formas para se demonstrar personalidade e refinamento, o que o torna um elemento terrível nas mãos de gente insegura ou segura demais. Hoje em dia, todos querem mostrar que têm bom gosto e dar palpites sobre obras artísticas e composições visuais, mesmo que estejam completamente equivocados ou que não tenham nenhuma informação a respeito, tornando muitas vezes o trabalho do designer um martírio. Por mais chato que seja um paciente em um hospital, ele dificilmente dirá ao médico como quer ser operado e que resultado pretende obter, principalmente se isso fizer mal a sua saúde. Por que, então, muitos insistem em alterar os layouts do pobre designer ou diretor de arte, arruinando sua legibilidade, impacto, unidade e harmonia ou combinando elementos de layouts diferentes? Se contrataram os serviços de um designer, por que querem mexer no seu layout?
Parte da culpa é da própria classe de designers e diretores de arte. Como não há uma formação específica requerida, fica muito difícil avaliar se um sujeito é bom ou não. Em salas de médicos e advogados há paredes forradas de diplomas. Médicos estão sempre de branco, advogados de terno. Não se fala em feeling ou instinto, mas em ciência. Não há arrogância nem superioridade criativa, mas a consciência de um conhecimento específico que deve ser explicado. Médicos adoram dar pequenas aulas sobre o funcionamento do corpo dos pacientes, e o fazem sem jargão. Nenhum engenheiro se apresenta como ganhador de diversos prêmios — como se fosse um cavalo treinado
— nem diz que quer fazer uma estrada igualzinha à que está na moda em Heidelberg. Tampouco um sujeito se diz psicólogo depois de ler um livro de Jung. Em compensação, há designers…
Graças a atitudes prepotentes como essas, tomadas indiscriminadamente por pessoas sem formação ou preparação, o estereótipo do designer no Brasil é tão injusto, ao contrário de países como a Espanha ou Suíça. De uma classe dessas, o cliente — normalmente formado em áreas de ciências exatas ou exatizadas, como economia, administração de empresas, advocacia ou relações públicas
— tende a se proteger, reagindo negativamente. Contrata os serviços e palpita o que puder, usando argumentos inacreditáveis, que vão da cromoterapia e Feng Shui ao simples “não gostei”. De todas as interferências, a pior é o hábito de criar Frankensteins, misturando partes de vários layouts em uma única peça.
Para essas pessoas, qualquer um pode fazer um site na Web, logotipo ou anúncio, como qualquer um pode compor uma música, fazer um filme ou escrever um texto. Muitos acreditam que o dinheiro gasto com programação visual é um desperdício. São comuns comentários do tipo: “mas tanto dinheiro para fazer só isto?” ou “não mudou quase nada do meu logotipo” ou ainda “quero aquele negócio que eu vi em uma capa de CD.” Um dos maiores problemas que a profissão de design enfrenta hoje em dia é a falta de parâmetros sólidos para a sua análise. Não há como analisar uma peça de design sem levar em conta características como dinamismo, legibilidade e equilíbrio e o resultado é que a maioria dos clientes aprova ou rejeita baseado em seu gosto pessoal ou na argumentação do profissional que apresenta a campanha, o que pode levar a grandes distorções.
Pode parecer estranho a quem não é da área, mas quando um designer ou diretor de arte está olhando um anuário ele está estudando. Ele está colecionando referências visuais e vendo como colegas de profissão no mundo inteiro resolvem problemas similares. Não, ele não está procurando uma fonte legal para copiar. Ele está se alimentando de referências, da mesma forma que um arquiteto pesquisa plantas e um cientista lê fórmulas matemáticas. É aquela velha história de ser o que se come.
J. Silas®
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